Ele tossiu ao dar a primeira tragada. Curvou-se sobre si, dramatizando a sua própria humilhação. Droga, pensou, não sirvo nem pra fumar. E atirou ao chão aquele objeto que tanto arquitetara para furtar. Imaginou, outrora, vê-la saindo de um lugar qualquer, a cara emburrada, o peito pesando uma tonelada, a descoberta de um engano em mente. Terrível engano. E a primeira coisa que seus doces olhos focariam seria ele. Indiferente. Distante. Inalcançável.
Mas ela saiu da lojinha de quinquilharias com um sorriso. E ele nem cigarro tinha pra fazer pose. Fez um rodopio para seu espectador, seu vestido listrado brincando de bailarina. Rindo-se às gargalhadas por se dar ao direito de ser criança apesar de grande, só não tão grande assim. Seus olhos o encontraram, deu-lhe seu aceno teatral. Tudo o que ele já conhecia tão bem. Os dentes um tanto afastados não a intimidavam, era feliz sem importar-se com aparelhos. E no rosto sempre alguma pequena espinha vermelha marcando presença, nada que a fizesse esconder-se detrás d’alguma maquiagem, nada de esconder-se detrás de alguma máscara. Era tão absurdamente ela. E isso a fazia ser tão intrinsecamente nele.
Veja bem, não dele.
O dono dos seus sorrisos e rodopios estava logo ali. Embora não merecesse. Comprara uma caixinha de joias barata, com desenhos de copos-de-leite. Não sabia nem a sua flor favorita, porém a ganhara com uma flor. E ela se achega ao outro, pendendo levemente a cabeça para o lado, como se para captá-lo melhor. Nenhum sentimento de culpa, nada de descobertas revolucionárias, apenas ele, ela e o outro. Apenas frustração separada por paixão e paixão. Afastando-se a passos lentos, para importuná-lo ainda mais. Maldito vento, também, carregando-lhe a risada.
Carregando-lhe fragmentos de sua voz, inocentes exclamações. A flor, minha flor, a flor do outro. Já adquirira um significado tão intimo para ambos, embora fosse tão mais dele. Ele, que a observara primeiro, esquadrinhara-a com tanto afinco. Lutara para ser seu grande amigo, o único digno de ter visto a lágrima teimosa escorrer brevemente. Em cuja pele desenhava por diversão.
Agora, no entanto, ia na direção oposta, pisando num cigarro inútil. Tentando se encontrar sem vê-la dentro dele, tão mesclados estavam ambos. Torcendo para que o outro não se habitue a vivacidade que tanto o fascinava, torcendo para que ela nunca parasse de sorrir. Seguindo o caminho tanto antes retratado, mas que nunca pareceu ser dele. Absorto na pergunta cuja resposta não queria ouvir. Porque as pessoas só veem o que querem ver.
Minha flor serviu pra que você achasse alguém, um outro alguém
Que me tomou o seu amor
E eu fiz de tudo pra você perceber
Que era eu
Los Hermanos