quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Divergência - Parte V [final]

Veja também as partes I, II, III e IV.
Rio de Janeiro, começo de Novembro, 1925
Tudo estava pronto. Alice usava um belo vestido de noiva, pronta para o suposto dia mais feliz da sua vida, mas com desdém estampado em seu rosto. Lembrou-se daquele dia, exatamente uma semana antes, quando conversou com seu querido pai acompanhada do sr. Martins. Confissões. Era o que vinha à mente com esta recordação. Afinal, ela confessou que o amava.

Seu pai, almejando a sua felicidade, deu o prazo de sete dias para que Timóteo pagasse o dote, e evidentemente vencia hoje. Como uma mulher em uma situação dessas se sente? Traída, ela diria, irada, enganada, iludida. Embora uma chama de esperança ainda ardesse dentro dela, fazendo-a olhar para todos os lados à procura do seu suposto salvador.
— Alice, minha filha, não acha que está na hora de crescer?! — sua mãe falou, indignada. — Depois de todos os meus esforços você continua à esperar pelo pé rapado do Martins! Isto é ingratidão, criança, pura ingratidão!
— Mamãe, eu o amo, é bem simples. Qual é a dificuldade de se entender isto? — suspirou. Já se tornou monótona esta conversa, Alice já não escutava bem o que ela lhe dizia, embora não importasse, normalmente eram apenas repetições.
Uma mão veio de encontro ao seu rosto, marcando cinco dedos de um vermelho vivo.
— Mais respeito comigo, menina! —gritou, no auge da sua frustração. Alice nunca tinha a visto em uma situação como esta. — Eu não acredito que todas as manhãs ficava esperando o carteiro, visando impedir que visse tolas cartas de amor! Me esforcei tanto em vão, isto é inadmissível! Tanto, tanto esforço para que a senhorita fosse estragar tudo agora, o dia que poderia realizar todos os seus sonhos!
— Como... como a senhora pode? — apoio-se em uma mesinha. Era informação demais, ela estava ficando tonta. — E ainda mais dizer: meus sonhos. Não há nada meu aqui, estes são seus, totalmente seus!
— Alice, vamos, querida — seu pai chamou, levando para o altar.
O que ocorreu, Alice não se lembrava ao certo, o mundo parecia um borrão, e ela andava sem prestar atenção. Apenas deixava se guiar pelo pai. No altar, lembrava-se claramente, três ou quatro lágrimas teimosas rolaram pelo seu rosto, os que estavam assistindo creram que era emoção de noiva, mas infelizmente não. Era tristeza mesmo, era dor da traição. Era a dor de ver a ilusão que criou desmoronando à sua frente enquanto gritava "agora é com você, enfrente a realidade!", como se isso fosse algo bom ou divertido.
A expressão de Afonso se alterou, ela estava vermelho de ira, era bem provável. Por quê?, ela se perguntou. Voltou  o olhar para a entrada da igreja: um rapaz de barba rala, que parecia inconveniente, de cabelos bagunçados, olhos de um azul tão intenso que aparentavam ser um céu tempestuoso, cheio de nuvens cinzas, e respiração ofegante, estava parado próximo à ela.
— Sr. Ventura — falou, dirigindo-se ao seu pai —, estou com o dote. Creio que esta mulher seja minha noiva.
Eram inexplicáveis os sentimentos de Alice neste momento, por isto, não vou me forçar a explica-los porque seria totalmente inútil na presente situação, portanto, irei me deter em descrever seus atos e o quão dramáticos (suponho que será isto que acharão, até mesmo clichê) eles foram. Virando-se para Afonso, jogou o buquê em seu pés, sorriu zombeteira, afinal, até ele sabia o motivo do seu casamento; e correu para os braços do seu amado.

Cerca de cinco anos depois, em junho de 1930
Suponho que o que escrevi ainda não seja o suficiente, resta muitas dúvidas (compreendo, eu mesmo as tenho) em relação a esta presente história e a provável felicidade de um certo casal, cuja mãe da jovem era um tanto... rude — pois somente assim posso descreve-la.
Em uma bela manhã de sábado, voltei minha atenção a menina Alice, curiosa enquanto tentava descobrir tais respostas. Ela estava deitada ao lado do seu amada marido. O último fazia piadas sem graça e acariciava o seu rosto enquanto a jovem esposa ria das suas tolices. Era exatamente isto que a encantava, o prazer dele em fazê-la feliz, mesmo que com simples coisas, ambos viviam felizes nos momentos mais improváveis.
Mais tarde, os pais dela foram visitá-los e, a agora sogra, ficou a mimar seu querido genro pois, como ela murmurava sempre, Alice estaria na falência graças a crise do café se tivesse, de fato, se casado com o Montês. Entretanto, como é nítido, Alice ou Timóteo não se importavam com este seu lado superficial, eles estavam ocupados demais construindo sua felicidade.
Problemas chegaram e se foram, principalmente econômicos, mas nada que não pudesse ser resolvido ou que tenha abalado o casal. E muito menos no presente momento, afinal, dali a seis meses, uma mulher cujo sobrenome atualmente é Martins e que creio que vocês já ouviram falar, vai dar a luz ao seu segundo herdeiro.

Fim

2 comentários:

  1. Olhando o título me fez ter saudades de quando eu escrevi contos para a primeira versão do SOALG. Acho que vou voltar a fazer isso um dia, eu amava demais! Enfim, uma pena que não tenha acompanhado o conto desde o início ):

    Beijos,
    Monique <3

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    1. Que legal,pensei que o SOALG desde o inicio era apenas livros (resenhas, dicas, estas coisas), pena que você parou: eu gosto tanto de contos!

      Bjin*

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